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Sobre a Migração – O Grande Tema Legislativas Portuguesas de 2024

Políticos, forças de segurança, organizações não governamentais, jornalistas, comentadores de televisão, populistas, progressistas, conservadores e conversadores de café ocasionais. Todos falam da emigração como um fenómeno recente (tal como fizeram com a Pandemia do Covid-19), mas nem todos se encontram conscientes de que tal fenómeno data dos primórdios da criação, ainda antes da humanidade nómada. É pena porque poderiam todos parar de discutir causas de algo que é natural a todos os seres: ir em busca de um lugar melhor para viver e criar a prole.

Ocupação de postos de trabalho a preços reduzidos, competitividade laboral inquinada, aumento de criminalidade, habitações lotadas, ruas cheias de emigrantes, insegurança para os que cá estão, recusa de vacinas e terrorismo religioso são talvez os subtemas que mais se cruzam com este grande fenómeno migratório. E, por um lado, até é bom que se discutam estas realidades que, pasmem-se os populistas, não afectam apenas as pessoas de bem; afectam os dois lados da moeda.

Ninguém fala dos sonhos desfeitos de uma pessoa que se vê obrigada a fugir de um lugar com medo do narcotráfico, dos receios de mudar de país/continente, do câmbio que leva 4/5 das poupanças, da dor causada pela distância das famílias ou da separação entre pais e filhos.

Ninguém fala das exorbitâncias cobradas a título de honorários aos emigrantes para solicitarem autorização de residência e trabalho ou do batelão de taxas e impostos pagos até finalmente um burocrata mandrião achar um buraquinho na agenda para recolher uma foto, a altura, as impressões digitais e a assinatura de um fulano que mal percebe a nossa língua, quanto mais as nossas manhas.

Ninguém fala de como os sucessivos governos e associações patronais (portuguesas, europeias, britânicas e norte-americanas) têm mantido a porta aberta aos que vêm de fora para baixar os preços de determinados sectores comerciais, das quais se destacam os trabalhadores de grandes superfícies comerciais, os técnicos de callcenters, os entregadores de comida ao domicílio e os eternos condenados da restauração e hotelaria.

Ninguém fala de como o respeito e a segurança (física, mental, laboral e social) de um estrangeiro corresponde igualmente à segurança de um nacional.

Tenho para mim que os populistas estão perdidos. Escumalha são, escumalha serão. Falam muito, mas todos nós sabemos o que eles pretendem das instituições democráticas: destruir e reinar.

Já quanto aos conservadores e aos progressistas, creio que ambos se podiam reunir em torno de uma opção geopolítica de grande envergadura com quatro pilares básicos:

1º) Controlar melhor quem entra na nossa casa (será sempre uma essencialidade básica, até por uma questão de cooperação interpolicial e interjudicial);

2º) Criar quotas regionais de entradas migratórias por mês/ano de modo a manter uma identidade cultural portuguesa com tendências por um estado de direito laico e democrático;

3º) Evidenciar esforços (inclusivamente militares) para evitar que tensões geopolíticas escalem para guerras geradoras de refugiados;

4º) E, por fim, forçar os países que adoram fundos de desenvolvimento, reciprocidade de vistos turísticos e extinção de pautas aduaneiras a adoptar com rigor e seriedade medidas bastante reais para evitar que os seus cidadãos (normalmente multiplicados como peixes pelos sermões dos padres…) também deixem de querer sair dos seus países de origem.

A ideia base será que quanto mais alimentados, abrigados, educados, integrados, democráticos e seguros estiverem os nossos vizinhos, mais seguros continuaremos nós. Exigir resultados ao ritmo necessário é fundamental a todos.


HOJE NÃO

Hoje não quero ir, não quero sair,

Encontro-me aqui comigo mesmo,

Basta-me o tecto, as paredes, a luz,

Contemplo o silêncio visível a olho nu

Deste lar comprado para me abrigar

Não tem o aconchego de um dia de sol,

Mas tem a cama, o colchão, as mantas,

Serve-me a almofada dum descanso

Posso ressonar e pausar as tristezas.


Bam! Bang! Kaboom!

O caos dançarino, a ordem traída
Entram os dois, oh tragédia atraída
Damas de parte, cerveja distraída
Estala a confusão, não há saída:

Dados nos bares, cartas nos salões
Punhos prontos, preparem os colhões
Punhais afiados, olhos nos vilões
Pistolas disparam, sem distinções.

Fogo barulhento, lavado a gasolina,
Feridas turmalinas, lágrimas salinas
Juras de órfãos, perseguidas nas colinas
Tudo converge, em desforras felinas.

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Cloud Cuckoo Land

Cloud Cuckoo Land

de Anthony Doerr

Uma vez que traduzido à letra (A Terra dos Cucos Nefelibatas ou A Terra dos Cucos das Nuvens) este livro cairia imediatamente na lista de livros a evitar devido a parecer uma parvoíce pouco desafiadora, a equipa da Editorial Presença preferiu ter uma abordagem mais conservadora e chamou simplesmente a este obra-prima: Uma Cidade nas Nuvens. Um título impossível de esquecer, certo? Enfim…

Em termos de enredo, o Autor complica e complica ao ponto de me espantar com a sua destreza técnica e planeamento de enredo no final do livro. Temos cinco personagens principais divididas por três linhas temporais, sendo que ainda temos de contar com os flashbacks de três personagens. Ufa…

No início, há aparentemente pouco a ligá-las, mas a verdade é que o enredo vai-se adensando e o que enlaça as três linhas temporais principais (bem como os flashbacks) vai-se tornando muito mais nítido ao ponto de nós percebermos que a verdadeira mensagem deste livro não é apenas que cada livro e bibliotecários são especiais e merecem ser preservados independentemente da doutrina ou do tom com que foram escritos. É realmente grandiosa a forma como o Autor entrega o final.

Por outro lado, em termos de personagens, aprecio particularmente o facto deste livro se reportar bastante à relação entre a adolescência e a terceira-idade. Não há propriamente um protagonista de trinta ou quarenta anos cuja força física se equivalha a uma experiência acumulada e que sirva de ponte entre todas as personagens. O Autor foca-se muito na juventude, na sua ingenuidade, na sua determinação e nos seus diversos problemas ao longo da história para nos fazer perceber a importância modeladora desses acontecimentos iniciais durante o resto da nossa vida.

O ritmo da narrativa é constante e os ganchos narrativos são bastante bem executados.

A prosa do Autor é bastante fluída e não teme socorrer-se de palavras menos comuns para o que quer que seja. Há igualmente uma maravilhosa tendência para comparações e metáforas bastante precisas e imaginativas. Apetecia-me destacar uma ou outra, mas estaria a ser injusto para com o autor ao revelar os seus tesouros metafóricos.

Em termos de conteúdo para lá dos enredos, e sem ser exaustivo, o Autor aborda inúmeros problemas actuais da sociedade como a solidão, a pobreza, os problemas da parentalidade singular, catástrofes climáticas, extinção massiva da biosfera, as consequências do medo, extremismos, conservadorismos, guerras, síndromes e patologias incompreendidas, manipulação de jovens solitários e vulneráveis através da propagação de idiossincrasias perigosas por meio de redes sociais e, por fim, os perigos da programação tecnológica.

É maravilhoso apreciar ao longo de todo o livro este condensar orgânico, tal como é revelador de uma extrema sensibilidade perceber todos os paralelismos que se fazem entre a Conquista de Constantinopla, a nossa década dos novos 20´s e o Futuro da Humanidade. Serão os nossos problemas sempre os mesmos ainda que com capas e vestimentas novas?

O que posso dizer mais? Anthony Doerr é um verdadeiro mestre tecelão. Fiquei abismado e imagino apenas um bocadinho do sofrimento que este homem passou para conseguir enlaçar todas estas histórias umas nas outras de modo a passar a mensagem e os paralelismos que queria passar. Magnífico, o melhor que li no último ano…


Causas

Tudo tem uma causa,
O amor dá lugar ao homem
O homem dá lugar à morte
Dará o amor causa à morte?


O Velho e o Mar

by Commonbymaru

O Velho e o Mar

Ernest Hemingway

Aproveitando uma visita à Feira do Livro de Lisboa, e o facto do livrinho estar com uma promoção generosa, adquiri pela segunda vez uma obra do mestre do diálogo com a sensação de só o comprar por este prémio lhe ter valido um Pulitzer em 1953 e lhe ter posteriormente aberto caminho até ao Nobel.

Felizmente, estava errado.

Costumo dizer que Hemingway foi um escritor “preguiçoso” nas palavras, mas a verdade é que a sua mestria a contar histórias de forma concisa e precisa foi inigualável. Creio que este O Velho e o Mar é mesmo o expoente máximo da grande arte que é escolher com precisão e sapiência cada uma das palavras para a história que precisamente se quer narrar sem qualquer tipo de gorduras.

Neste O Velho e o Mar temos um velho pescador de um esquife cubano à procura de acabar com o azar de peixe com que o mar o premeia há já oitenta e quatro dias. Uma luta trágica e simples contra o azar. Tão bom…

Cabem nesta pequena história (que com menos duas ou três páginas seria um mero conto ou capítulo nas mãos de outro escritor) diversos temas, como o homem contra a natureza (peixes, tubarões, ventos, noites, calor), o valor do homem e o valor do seu esforço face à pouca recompensa do seu mérito ou, mesmo a fechar, a tristeza de um jovem pelas velhas chamas da coragem face à ignorância presunçosa dos turistas. O meu destaque, porém, vai para aquilo que penso ser a mensagem principal da obra: o homem insistindo contra si mesmo que se traduz na ideia que um homem pode muitas vezes ser destruído (especialmente pelo binómio sorte/azar), mas nunca derrotado. Ontem e hoje correram mal, mas amanhã será novamente dia de partir à busca da vitória. Quando tudo o resto acaba, existem sempre os sonhos.

«É tolice não ter esperança», lê-se às tantas e poucas frases geniais há que me mereçam tanto carinho.

Em termos de personagens, o claro destaque vai para o pescador cubano chamado Santiago e toda a pequena grande história da sua luta com o mar. É a única perspectiva que realmente interessa e que facilmente se aplica a cada um dos pescadores de sorte deste nosso mundo. São os seus méritos, os seus defeitos e as suas experiências que nos açambarcam, desde a sua maneira de ver o mundo até à forma como ele consome o peixe cru e aguenta calores, frios e feridas em busca de cumprir sozinho o seu objectivo. O resto é mar…

Ao contrário do que li em Por Quem os Sinos Dobram, gostei dos intermináveis monólogos, interiores e exteriores, entrelaçados com os pensamentos e memórias do pescador. Não cortaram a história e tiveram sempre um propósito de enquadrar ou abrilhantar a pescaria. Obviamente que acho que em situações normais todos nós gostaríamos de contar com alguém no barco da nossa vida (tal como o pescador também gostaria de contar com o seu rapaz…) para falar, mas o pescador solitário contra o mar representa igualmente o facto de nós estarmos, no final de todas as contas, sempre sozinhos contra o grande Universo.

Num pequeno aparte, que melhorou muito a obra, não tivemos felizmente um americano a pescar em Cuba como tivemos um americano a lutar na Guerra Civil Espanhola de Por Quem os Sinos Dobram. Isso agradou-me bastante face à minha leitura anterior. Não me admira, portanto, que mesmo sendo uma história tão pequenina por comparação com outras das suas obras, a história épica d’O Velho e o Mar tenha tratado de garantir ao Autor tantos prémios. É verdadeiramente espantoso que uma obra tão parca de palavras se tenha transformado num clássico notável.

by Livros do Brasil

Os Estrangeiros

Como é possível que na Europa estejamos a assistir à ascensão de movimentos populistas com tendências xenófobas? Num território como o europeu, onde diariamente tanto os professores como os media fazem questão de referir que a xenofobia e o racismo são desvalores bárbaros e contrários a uma sociedade desenvolvida, é paradoxal que estes movimentos estejam a crescer, tal como a antipatia pelo “estrangeiro que vem para cá tirar trabalho aos que cá estão”. Porque acontece isto?

Começando por provocar: estes radicais em ascensão até têm alguma razão na sumária identificação que fazem do problema. Tirando a ideologia da questão e correndo por um trilho pragmático, a verdade é que os migrantes que chegam à Europa vêm para cá porque (surpresa!) querem melhores condições de vida. Querem mais segurança, mais dinheiro e algumas perspectivas sérias de futuro para os filhos. E tanto os seus propósitos como a sua necessidade de ganhar sustento, motes que devem ser respeitados, gera competição entre a mão-de-obra interna e a que vem de fora.

Tudo isto é normal e bastante humano. O que não é normal nem humano é a inércia estadual perante a autêntica desregulação e ausência de fiscalização da actividade laboral. Vejamos alguns exemplos:

Patrões que, não conseguindo ou não querendo pagar o justo pelo trabalho prestado, contratam e trazem trabalhadores do Nepal, do Brasil ou dum qualquer país africano a preço de uva mijona. Fogem às contribuições, ao fisco e, mal o trabalhador manifesta algum desagrado, vai para a rua sem qualquer tipo de fundo de desemprego. Isto é mato nas empresas de construção.

Por outro lado, a restauração. Quem é que quer trabalhar num restaurante, num hotel ou num café cheio de bêbados seis dias por semana por 800,00€ pagos por fora? Ninguém, certo? Mas a verdade é que rareia o cafezinho em Portugal onde não há um emigrante a trabalhar nestas condições. E porquê? Porque precisa de pagar renda, contas e custos com processos de regularização de permanência em território nacional. O facto de poder vir a magoar-se e não ter direito a apoios financeiros do estado pouco lhe importa.

E quanto aos shoppings? Quem é que aguenta ganhar o salário mínimo e trabalhar para grandes empresas que do nada usam com uma facilidade mínima a mobilidade geográfica do trabalhador para o manter de cabeça baixa? E quem é que trabalha nas lojas dos shoppings maioritariamente? Os emigrantes, certo?

Até aqui só dei exemplos de mão-de-obra pouco qualificada, mas vejam o que sucede já nos hospitais com médicos da América Latina a fazerem turnos atrás de turnos em regime de recibos verdes. Ou na advocacia, com os advogados de outros países e outras leis a entupirem os serviços de estrangeiros e fronteiras com processos muitas vezes e propositadamente mal instruídos com o único intuito de evitar deportações de quem nunca se interessou pela legalidade.

Posto isto, o problema não se prende com a importação massiva de pagodes brasileiros, kizombas angolanas, chamuças indianas ou plásticos chineses. Sendo sincero, a maioria dos portugueses até acha piada às diferenças e até as consome, especialmente se forem gastronómicas. O problema prende-se com o facto dos estados europeus nada fazerem para evitar a desvalorização dos rendimentos de quem trabalha. Não é tanto uma questão de valores morais e culturais, é muito simplesmente uma questão de carteira e de valores monetários.

Quando ninguém vigia (incluindo o próprio trabalhador que se sujeita a tudo e mais alguma coisa) e quando ninguém controla dá-se isto: o que deveria ser excepcional começa a aproximar-se da regra geral. E o que sucede depois? Conformismo, pobreza, fome, descontentamento e ascensão de movimentos radicais. O Brexit, por exemplo, deveu-se em larga maioria ao facto de os britânicos deixarem de estar dispostos para acolher novas vagas de gente que, merecendo respeito, vinha ao abrigo desse ideal de mercado livre e concorrencial que, habitualmente, desvaloriza os rendimentos de pessoas que, inegavelmente, já se encontram inseridas num mercado livre e concorrencial.

Chegados aqui, depois de identificados alguns dos problemas a curto e longo prazo, importa debruçarmo-nos sobre formas de resolver estes problemas:

O primeiro ponto a ter em conta é que o ideal “mercado de livre concorrência” precisa de ser relativizado. Jamais poderá ser absoluto. Caso contrário, ou os concorrentes se aliam para não mais baixar os preços (e falseiam a concorrência, o que é ilegal…) ou então os concorrentes deixam de prestar o seu trabalho porque não estão para oferecer gratuitamente o seu produto/serviço de graça. Só assim, valorizando mais os rendimentos que o mercado, se consegue reter o talento que se forma nas nossas escolas e universidades.

O segundo ponto a ter em conta é exigir mais a quem quer vistos turísticos para, sub-repticiamente, permitir aos seus cidadãos que emigrem e não mais voltem. Dá imenso jeito, por exemplo, ao Brasil que os seus brasileiros viajem como turistas e depois apresentem uma manifestação de interesse para ficar em solo europeu, tal como dá jeito ao Brasil invocar o princípio da reciprocidade para dizer que os europeus também podem ir viver para território brasileiro quando quiserem. O problema é que nenhum pobretanas europeu quer voar para os braços abertos de um estado que pouco ou nada faz para melhorar a segurança das ruas, o estado das estradas e dos transportes, a educação primária e secundária, os serviços públicos, os preços dos supermercados, a ética patronal e os rendimentos de quem trabalha. Se um estado quer vistos turísticos tem de alcançar um patamar em que o princípio da reciprocidade se aplique num plano real (como ocorre entre Estados Unidos da América e a Europa) ao invés de um plano meramente teórico.

Terceiro ponto, apagar fogos no quintal do vizinho. Se a casa ao lado da nossa estiver a arder a reacção mais adequada será sempre levantar o rabo do sofá e ir ajudar o vizinho e bombeiros a apagar o incêndio. Caso contrário, o que sucederá à nossa casa? Os países europeus não podem continuar a permitir o corrente relaxo e o caos endémico nos países africanos. Se os povos africanos não conseguem assegurar a sua própria segurança interna e os seus dignatários roubam os fundos públicos ao invés de investirem em estradas e fortes projectos de agricultura e barragens, os estados europeus têm de intervir, exigir e, se for caso disso, repor a ordem. Caso contrário, continuarão a existir guerras civis e refugiados que, de forma totalmente justificada, fogem para solo europeu para competir em segurança com a mão-de-obra que cá já existe.

Uma última nota para referir que Elon Musk e todos os outros empresários dignos deste nome já se aperceberam que o futuro passará inevitavelmente pela exploração das estrelas; esta nossa casa não acolherá para sempre um tão grande número de pessoas.  Mas, no entretanto, e como a tecnologia ainda não nos permite fazer uma horinha daqui até Marte, é preciso defender até à exaustão a organização dos povos, a valorização dos rendimentos e o bem-estar das pessoas. Caso contrário, os movimentos populistas continuarão a aumentar. E a História está cheia de exemplos do horror e terror que estes movimentos populistas provocam quando chegam ao poder. Tanto para os estrangeiros como para os nativos.


O Vento

Lá fora, um Sol sem calor brilha
E o vento, tão gelado e afiado,
Irrequieta cada coisinha quieta,
É desses dias que até cortam.

Cá dentro, porém, nada se mexe,
Nada tem vontade de se mexer,
O ânimo foi precisamente cortado
Depois de remexido e magoado

Por tudo o que de bom e mau há
Cá neste mundo de vento incisivo
Que rodopia selvagem e esquivo
Sem necessidade de um objectivo.

The Gust of Wind de Jean-François Millet

Vox populi? Justa vox populi…

Por vezes ouvimos alguns populistas dizer: Vox populi, vox dei, que traduzido do latim para uma língua viva como a nossa significa voz do povo, voz de deus. É uma frase sonante, admito. Uma frase que até pode ter tido alguma relevância em eras seculares. Contudo, continuará a ter alguma razão de ser nos dias de hoje?

De um ponto de vista conotativo, podemos interpretá-la como um adágio que visa sensibilizar os patrícios políticos para os problemas da plebe votante. E deste ponto de vista até serve (algumas vezes, poucas, talvez pouquíssimas…) para pressionar a malta da política a mexer-se um bocadinho de modo a não perder votos nas eleições seguintes.

Contudo, se formos para um sentido mais literal, no sentido em que o povo normalmente interpreta, imaginem lá o Alto Pai da Criação ignorar o facto de a Organização Mundial de Saúde ter retirado a homossexualidade da lista de problemas de saúde há cerca de 32 anos — em 17 de Maio de 1990 mais precisamente — e repetir as mais recentes declarações de Khalid Salman (actual embaixador do Mundial 2022 no Catar e alguém que actualmente representa uma enorme falange do povo islamita). Imaginem lá a carantonha do Alto Deus a dizer-nos com o apontador levantado: “A homossexualidade é uma doença mental!”.

Enfim…

Por outro lado, deixemos os exemplos mais sonantes e estapafúrdios da actualidade. O que seria do povo de Deus se o próprio Deus começasse a repetir, por exemplo, as mais discretas e transversais vozes seculares do povo português: “Um olho no burro, outro no cigano”, “A mula e a mulher com pau se quer”, “A judeu e a porco não metas no teu horto” e “De Espanha nem bom vento nem bom casamento”. Que Deus teríamos? Um Deus racista, misógino e xenófobo?

Pensemos.

Talvez exista mesmo uma expressão melhor e mais actual com tendências universalistas: Voz do povo? Só mesmo voz do povo…


Desespero Silente

É sufocante e sombria
A água desta poça vazia
Onde me afogo lentamente
Faltam coisas neste peito —
Só não me falta o ar, ainda…

Das profundezas do martírio
Me aproximo neste afundanço
Sem mergulho precedente,
Sem empurrão dum falhanço
Ou sem uma falha decadente.

Acordei nestas trevas somente,
Destituído de forças e coragens —
Outrora fiéis, imutáveis e estáveis —,
Acordei neste abismo simplesmente,
Sem aliados e sem solução evidente.