Monthly Archives: Dezembro 2018

Pecados Pegados

Apegado muito sou
Ao pecado que me és
E às vezes eu peco
E logo tu me pegas
Algumas pegamo-nos
E pecamos e pecamos
Sem bocado de pecado
Outras  desapegamo-nos
E da boca saem pecados
Atrás de pecados até que
Nos fartamos e logo eu
Te pego, tu me pegas ou
Pegados os dois num só
Pegamo-nos e pecamos
E pecamos muito bem
Pois que melhor pecado
Senão este que se pega?

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Lovers by ReginaNegra


Chuva Molha-Parvos

Molhando este parvo, gotículas minúsculas e irregulares…
Nem sequer tocam o chão, quanto mais molhá-lo!
Ainda assim, não tarda e voltam às nuvens e voltam a cair

Novamente, novamente, novamente e novamente…
Até acabar a água azul desta casa, um ciclo sem novidade:
Cai das nuvens, molha parvos, rega solos e ascende aos céus.

Depois, gelada, torna a chuva a cair em cima dos parvos
E tomam os parvos o seu lugar por baixo da chuva,
Enfim, tomam os parvos o seu lugar no ciclo da água!

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Coletes Amarelos…

Olhamos para França, onde os Coletes Amarelos se manifestaram contra o aumento do imposto do gasóleo (não será normal que os europeus se estejam cagando para o impacto ambiental quando EUA e China se cagam nele também?), onde se manifestam contra os baixos salários (que até é dos mais altos da União Europeia, imaginem os outros) e onde se manifestam contra a precariedade (flagelo permitido aos patrões que, representando 1% da população mundial, foram buscar 80% da riqueza produzida no planeta).

Depois olhamos para Portugal:

O município com mais licenciados do país viu ser eleito um tipo que já esteve preso. Chama-se Isaltino Morais e os seus defensores dizem “O Dr. Isaltino roubou, mas pelo menos deixou obra…” Atenção, a bem da verdade, ele nem sequer roubou e apenas existiram suspeitas que tivesse sido corrompido. “Só” fugiu ao fisco português! Portanto, Oeiras elegeu alguém cujo salário lhe é pago por dinheiros públicos, mas que não quis pagar impostos!

No Montepio, acabou de ser eleito Tomás Correia, investigado por todo o lado, responsável por levar o referido banco à falência e anteriormente destituído por falta de idoneidade pelo regulador. E atenção! A comunicação social não ficou calada! Apontou o dedo a toda a gente que o apoia e recordou todos os seus (de)méritos antes de ocorrer o dia das eleições. Ainda assim, eleito!

No Futebol Clube do Porto, está sentado na poltrona da presidência um corruptor. Os seus acólitos dizem “Ele é corruptor, mas o Porto ganhou tudo com ele e continua a ganhar…”

Enquanto isso, a Assembleia da República cria impostos, os governantes andam sempre a passear, as Câmaras instalam parquímetros por todo o lado e os funcionários públicos continuam a ser aumentados apenas porque são uma grande fatia do eleitorado.

E o pobre do precário permanece precário.

Anda tão desnutrido e tão desapossado que nem sequer tem força ou dinheiro para comprar e vestir um colete amarelo…

Portugal…

 


A Paixão do Conde de Fróis

A Paixão do Conde de Fróis

de

Mário de Carvalho

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by Porto Editora

Primeira incursão na obra de Mário de Carvalho e não posso dizer que tenha ficado desagradado. É cuidadoso, bastante cuidadoso, nas palavras que usa e os seus engenhos de ironia casaram perfeitamente com os portugueses mesquinhos e parolos que ele nos apresenta nesta obra.

O fio narrativo da história prende-se com um cerco espanhol a uma pequena praça do norte de Portugal e aqui fica preso. O Autor relata-nos a vida pacata da aldeia, a chegada de um desterrado conde de Fróis ao mesmo lugar e a forma como coloca a praça em sentido para uma eventual investida espanhola que não tarda em acontecer. Depois, naturalmente descrevem-se as agruras do cerco e a forma como as diversas personagens vão lidando com o referido aperto.

Falando em personagens, há dois grandes protagonistas: o conde e o padre. O primeiro deseja patrioticamente resistir aos espanhóis, o segundo acha que se deve fazer a vontade de Deus (ceder aos espanhóis) e todo o trama gira à volta do conflito que se gera entre este dois. O resto são personagens de ocasião, pouco aprofundados.

Tal como aflorado acima, dentro das duzentas páginas de estória, a escrita do Autor é cuidado, engenhosa e irónica. Claro que recorre incessantemente a arcaísmos  que nos dificultam por vezes o avanço dos capítulos (eu tenho sempre que parar uma leitura para ir ao dicionário quando não conheço as palavras…), mas emprega bem essas palavras, já que historicamente se falava assim há séculos (e a língua portuguesa era tão mais rica então…).

Posto isto, resta concluir que é um Autor para gostos mais refinados e gentes mais ciosas de aprender novas palavras. Se for um destes leitores, aconselho-lhe este livro facilmente.

 


Mono No Aware

Mono No Aware

de

Ken Liu

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Kanji de Mono no Aware

Ainda que o título sugira algo completamente enigmático, este pequeno conto (que venceu o Prémio Hugo para a mesma categoria) debruça-se sobre a grande próxima aventura da humanidade: deixar o nosso condenado planeta e seguir à procura de um novo lar pela imensidão do cosmos, com todos os perigos inerentes.

Contudo, através da história do protagonista (o último japonês do universo com quem simpatizamos imediatamente) e duma subtil metáfora, revela-se uma mensagem sobre a consciência da transitoriedade das coisas que me tocou verdadeiramente.

Olhamos para as coisas, especialmente as mais belas, e sabemos que elas se vão findar um dia e isso entristece-nos, mas ao mesmo tempo damos conta que essa existência efémera faz parte deste universo. Porque me comove? Porque não me revolta? Porque um dos objectivos da história é precisamente aconselhar-nos a aceitar que somos apenas excertos, passagens, flores e borboletas de um livro cujo autor, pagína de início e página final se desconhecem.

O conceito japonês Mono No Aware (sensibilidade melancólica sobre coisas efémeras) é uma preciosidade cultural nipónica e através deste conto (de ficção científica) o Autor dá a conhecer ao mundo este étimo de forma ímpar. Parabéns, Ken Liu!

Sei que os prémios valem o que valem, mas este conto merece mesmo ser distinguido. Aconselho vivamente, até porque a Saída de Emergência publicou o mesmo conto na sua BANG! e esta revista tem a apelativa qualidade de ser gratuita.