Monthly Archives: Outubro 2016

Doutor, por favor…

Aproveitando o facto de ter visto ontem à noite o novo filme do Universo Marvel, e a exigência – quase portuguesa – de Stephen Strange (desempenhado pelo notável Benedict Cumberbatch) de ser tratado, não por mágico, não por feiticeiro, não por mestre, mas sim por Doutor Strange, venho dar corpo a alguns pensamentos sobre este hábito desprezível.

Para tanto, dou o seguinte exemplo:

Num congresso importantíssimo a nível nacional, três conhecidos de longa data encontram-se:

-Olá, Sr. Doutor!

– Olá, Sr. Engenheiro!

– Bom dia, como têm passado, meus caros? – Pergunta o Sr. Arquitecto aos outros dois que o cumprimentam e o recebem na interessante conversa de ambos.

Finalmente, quando a conversa acaba, os três dirigem-se às respectivas secretárias com um ar pensativo:

– Oh Ana, relembre-me como se chamam aqueles dois. – Solicita o Sr. Doutor.

– Oh Maria, a senhora sabe o nome daqueles dois? – Pergunta o Sr. Engenheiro.

– Oh moça, veja lá se descobre o nome daqueles dois, que eu já há uma década que os conheço e ainda só os trato por Doutor e Engenheiro. – Diz o Sr. Arquitecto.

Assim mandatadas, as solícitas secretárias tratam de recolher a pertinente informação e tratam de dar a conhecer os nomes rogados aos seus patrões.

Todavia, passado um ano, novo congresso em que os três voltam a participar:

-Olá, Sr. Doutor!

– Olá, Sr. Engenheiro!

– Bom dia, Dr. Doutor e Sr. Engenheiro, como têm passado, meus caros? – Pergunta o Sr. Arquitecto.

Conclusão óbvia, dá muito jeito este hábito português. Assim, ninguém precisa de decorar os nomes dos outros. Só é preciso saber se eles são doutores, engenheiros ou arquitectos (tal como antigamente era preciso distinguir os barões dos condes) e tratá-los por esse título.  Mais uma vez, os portugueses demonstram como da preguiça até vem algum engenho de vez em quando.

Pena é a falta de consideração que se demonstra no final do dia.

Mas, para se perceber isso mesmo, é preciso ter a necessária humildade.

Caso contrário, cumprimentamos o outro tal como nos cumprimentam a nós, com igual desprezo.


Debaixo dos lençóis

Quentes e suados como girassóis,
Um casal de namorados heróis
Em abraços embaixo dos lençóis,
Tantos sonhos sem luzes e faróis.

Era ali que o mundo se quedava
Era lá debaixo que  importava
Tantos beijos felizes que se dava
Só o amor cego ali nos chegava.

Mas a cama desfê-la o destino
Não chega só a paixão sem tino
É  preciso muito lutar paladino
Para um final infeliz, mas divino.


Mariposa

Sempre bela mas não vaidosa,
Olha o bate-asas da mariposa
Liberta dos casulos em prosa,
Olha-me a pequenina jeitosa

Voando para longe e sem capuz
Para a proteger tanto da luz
Como dos poemas que lhe compus
Depois de vários beijos nús.

Olha-me a mariposa, voando
Subtil, sublime  e sem bando,
Orando nas trevas e procurando
Beijos de quem aqui a está amando.


O Devorador de Luz

Porque ainda pedimos luz a Deus?

Temos a luz do sol durante o dia, holofotes e néons na rua há noite, candeias e candeeiros nos quartos, salas e cozinhas e até lanternas LED no telemóvel para os recantos. Não basta toda a luz que já temos a iluminar-nos?

Seremos assim seres tão escuros e sombrios? Ou seremos apenas corpos opacos com corações negros? Se sim, estamos mal. Somos apenas seres sedentos, gulosos e tão ávidos de luz como um buraco negro.

Talvez um buraco negro seja mesmo a metáfora perfeita para o ser humano, esse devorador de luz.

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Faz e Caluda!

Tá calado! Faz e caluda!
Este mundo não muda
Nem tem quem te acuda
Essa cara mui trombuda.

Mesmo selvagem amansas
E se forte não descansas
Logo as línguas e lanças
Te procuram em vinganças.

É sempre isto em solo luso,
Se és esperto és obtuso,
Só tens uso até cair em desuso
E se recusas algo é um abuso.


Quem morde quem?

O que fazer quando, destrelado e solto, um rafeiro arraçado de pastor alemão nos encontra nas escadas do prédio e nos rosna com as bochechas arreganhadas.

Recuamos calmamente?

Avançamos frigidamente?

Ou pulamos desalmadamente para o meio das escadas e rebentamo-nos todos só para não sermos mordidos por uma besta canídea de caninos salientes cujo maxilar abre e fecha mais depressa do que somos capazes de contar?

Pois…

E sabem quem se responsabiliza?

O dono não, porque se apressa a dizer que fomos nós a provocar o cão. Espanto dos espantos, o bicho é um querido e não morde ninguém lá de casa… alguém que o alimenta desde cachorro.

Ora, eu, um cidadão agraciado com a possível razão num momento doloroso, fiquei-me pelo silêncio. Ao contrário do que respingam os idiotas, dizer na cara o que quer que seja não se afigura sempre como a melhor solução. Falar para idiotas, infelizmente, tem uma eficiência mínima.

Isto não quer dizer que eu não reaja.

Eu também mordo, só que com caninos mais refinados:

Estipula o número 1 do artigo 493º do Código Civil o seguinte:

Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.

Portanto, foi-me fácil chamar um polícia, anotar a ocorrência, dirigir-me a um hospital, tratar-me – não vá o maldito rafeiro ter algum parasita do dono – e depois escrever uma cartinha ao ilustríssimo mentecapto requerendo a devida compensação monetária. Se isto não resultar, lá vamos nós para tribunal, correndo-se o risco de abater um animal que pelos vistos, destrelado e destreinado, é tão perigoso para a sociedade como a inteligência do seu excelso dono.

Claro que, outra pessoa que não eu, menos dada aos “Direitos dos Animais” (Coloco aspas porque, juridicamente falando, a figura não se assemelha em nada a direitos) poderiam não se dar a todo este trabalho de simplesmente castigar um idiota pela sua primária idiotice.

Podiam simplesmente, e subtilmente, oferecer um bife suculento e bem temperado com 605 Forte ao canito que, guloso, tomaria a sua última ceia antes duma morte violenta e dolorosa o fulminar pelas entranhas. Isto sim seria castigo para o dono! Ficaria sem o seu cãozinho…

Mas matar um bicho assustado, que protege apenas o seu território e que não tem noção do que faz?

Matar um inimputável, um ser incapaz de culpa, pela falta de bom senso do dono?

Paremos para pensar… especialmente os donos.

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                                                                By DogLink