Aproveitando o facto de ter visto ontem à noite o novo filme do Universo Marvel, e a exigência – quase portuguesa – de Stephen Strange (desempenhado pelo notável Benedict Cumberbatch) de ser tratado, não por mágico, não por feiticeiro, não por mestre, mas sim por Doutor Strange, venho dar corpo a alguns pensamentos sobre este hábito desprezível.
Para tanto, dou o seguinte exemplo:
Num congresso importantíssimo a nível nacional, três conhecidos de longa data encontram-se:
-Olá, Sr. Doutor!
– Olá, Sr. Engenheiro!
– Bom dia, como têm passado, meus caros? – Pergunta o Sr. Arquitecto aos outros dois que o cumprimentam e o recebem na interessante conversa de ambos.
Finalmente, quando a conversa acaba, os três dirigem-se às respectivas secretárias com um ar pensativo:
– Oh Ana, relembre-me como se chamam aqueles dois. – Solicita o Sr. Doutor.
– Oh Maria, a senhora sabe o nome daqueles dois? – Pergunta o Sr. Engenheiro.
– Oh moça, veja lá se descobre o nome daqueles dois, que eu já há uma década que os conheço e ainda só os trato por Doutor e Engenheiro. – Diz o Sr. Arquitecto.
Assim mandatadas, as solícitas secretárias tratam de recolher a pertinente informação e tratam de dar a conhecer os nomes rogados aos seus patrões.
Todavia, passado um ano, novo congresso em que os três voltam a participar:
-Olá, Sr. Doutor!
– Olá, Sr. Engenheiro!
– Bom dia, Dr. Doutor e Sr. Engenheiro, como têm passado, meus caros? – Pergunta o Sr. Arquitecto.
Conclusão óbvia, dá muito jeito este hábito português. Assim, ninguém precisa de decorar os nomes dos outros. Só é preciso saber se eles são doutores, engenheiros ou arquitectos (tal como antigamente era preciso distinguir os barões dos condes) e tratá-los por esse título. Mais uma vez, os portugueses demonstram como da preguiça até vem algum engenho de vez em quando.
Pena é a falta de consideração que se demonstra no final do dia.
Mas, para se perceber isso mesmo, é preciso ter a necessária humildade.
Caso contrário, cumprimentamos o outro tal como nos cumprimentam a nós, com igual desprezo.