Monthly Archives: Dezembro 2015

A Rotina

Maldito o tempo com a sua rotina,
Inflamável e tóxico como gasolina,
É vida bronzeada pela creolina.

Mas lembro-me da dúvida dançarina,
O vai-não-vai que nos chacina,
O será ou não será que combina?

E aí vai, aí vai o beijo guerreiro
Como primeiro e sincero mensageiro
A desbravar a bruma do nevoeiro.

Ali, aqui e em qualquer paradeiro,
Era amor e cumpria-se o roteiro:
Dois suspiros sem roupeiro.

Porque se tornou este carinho cansativo?
Quando é que teu toque passou a abrasivo?
Vira-te para mim no leito que eu nos reavivo!

Não te posso chamar com um adjectivo
Nem comprar-te com um colar decorativo,
Só posso dizer que sem ti não sobrevivo!

Não sobrevivo e não vivo porque não respiro,
Por favor, não me respondas com um tiro
Mas também não te quedes num suspiro.

Sem palavras juro: nada ao nosso amor prefiro
Em nosso futuro e sem expirar logo me atiro
A mais um beijo que do nosso moço amor retiro.


Como é futuro?

Sento no chão sem cadeira,
Nem moedas nem algibeira,
Só documentos na carteira,
O que há desta carreira?

Eu não andei na brincadeira,
Mas nada de grana para a padeira,
Nada de trocos para a costureira
E a mãe ainda é a cozinheira.

Eu tento subir esta ladeira,
Mas sem bolso do amigo Oliveira
Nem reembolso do padrinho da Beira
Como se foge desta lusa ratoeira?


Porque não se deve entregar o coração?

Tão doloroso como o uivo de lobisomem
É encher de letras o peito deste homem
E aliviá-lo numa folha sem que me tomem
Mil pensares de rimas que nos consomem.

Desafias-me a escrever com o peito,
Desafias-me a ajeitar o que faço direito
Com a cabeça e ainda exiges um escorreito
Poema em que nosso amor seja o tema eleito.

Esqueces-te da minha única ablação?
Como posso escrever com o meu coração
Se to dei há muito, numa noite, sem noção
De que precisaria mais dele em acção?


Inimigo Tempo

O tempo é o inimigo dos humanos,
O tempo é o maior dos tiranos
Ao roubar-nos os dias e os anos
Deixando-nos só rugas de danos.

Lindos e seguros, mas sem ignorância,
Dormimos demais nesta arrogância
Desconfortável, iludidos de abundância
Enquanto nos furta desde a infância

Até ao nosso caixão protegido pela anta
De pedra e de osso que jamais se levanta,
Mesmo com rezas e milgares de santa,
O tempo leva tudo e tudo desencanta.


Tanto espaço

Tantos espaços regulares e irregulares,
Montanhas aos montes e mares de hectares
E hectares sem beijos com meus pares,
Sem tua boca e sem teus olhos e olhares.

Que ânsia que tenho desse regaço,
É tanta a distância desse corpaço
Que me advêm as dores do cansaço
Por não te ter só mais um pedaço.

Desde as noites e seus luares
Até à terra rasgada por mares,
Imensos os intervalos entre lugares
Um dia nossos por tu já não estares.

Sem erro crasso nem nenhum fracasso
Já não te amanhas às penas deste braço
E a culpa de estares sem nosso abraço
É do mundo que tem demasiado espaço.


Força do Amor

Sem teu amor que vale por cem
Eu sou como todos os fracos sem
Nada nem ninguém que os ame bem,
A fraqueza não salva ninguém.

E se não te encontro nem te vejo
Perco a força na voz, gaguejo
E fico débil, frio e fraquejo
Sem teu sabor, sem teu beijo.

E se com tempo meu corpo é frágil
Sem teu amor a morte vem ágil
Com sua foice letal e hábil.

Só teu beijo me ensina a sorte
Só teu amor me supera a morte
Só por ti sou mais forte.


O mal

A Deus e aos seus
Não tenho pecados meus,
Pois o não é comer a Maçã,
É sim não ver o amanhã.

Deixem a mentirosa serpente,
Deixem a mulher que engana,
É o Homem que está doente
E não alcança o seu nirvana.

É a fome de mais poder,
E a sede de mais querer,
A inveja encoberta pelo véu
Que nos expulsa do céu.


Estar Sozinho

Estar sozinho
É ouvir canções de amor
Bem caladinho
E sentir falta do teu calor.

É ver filmes lamechas
Com finais felizes
E reparar nas brechas
Dos tristes infelizes.

É acordar sem ninguém
Ao lado, a jogar solitário
Sem o teu alguém
A chamar-me otário.

É ver uma fotografia
Da nossa paixão
Sem pensar onde ia
Longe nossa devoção.

Estar sozinho
É lembrar a todos instantes,
Longe mas pertinho,
Nossa alegria de antes.


Palaversar

Gosto de palaversar
Contigo, conversar
Através do versar
Versado. É diverso

Do resto da narrativa
Diária, proibitiva
Da emoção emotiva,
Só texto tentativa.

Gosto de expressão
Escrita, exclamação
Lírica, interrogação
Sentida, inspiração

Em caracteres, juntas
Palavras com disjuntas
Emoções, e as perguntas
Eternas nunca defuntas?

Pena penada sem a tinta
Da caneta já extinta,
A tecla que não tilinta,
Mas a palavra nos finta.

Permanece viva em incerto
Significado, a coberto
Dum fado boquiaberto
Ou dum espírito liberto.

A vida em poemas? As canções
Ferida, os embalos relações,
A medida dos piropos rifões
E a destemida ode dos corações.


O Português

O Quinto Império Português

Não é o da humilde gaguez

E muito menos o da avidez

Alma de soberba tacanhez.

 

O Quinto Império Português,

Dizia-o o Pessoa sem clichês,

Era o verbo livre e cortês

Da nossa língua, o Português.

 

Encosta o hebraico e o inglês

Ao canto, aqui Javé e o burguês

São tontos ao pé da robustez

Da nossa Portuguesa vetustez.

 

Rimem maricas em beau francês,

A língua do amor embriaguez

É a nossa, lusa e macha fluidez

A engatar até a filha do japonês.

 

Língua lusa, caravela de altivez,

Descobridor misto de cupidez

De outros mundos novos talvez,

Quem dera a todos ter o Português.