Monthly Archives: Dezembro 2020

A Oitava Era

A Oitava Era (Ciclo II – Crónicas de Allarya)

de Filipe Faria

by Editorial Presença

Dando início ao Ciclo II das Crónicas de Allarya, este novo livro começa com um prólogo bastante agradável para todos os fãs desta obra fantástica. Oleado por sombras, socorrendo-se de um antagonista já nosso conhecido e prometendo desde logo confrontos e problemas, o Autor permitiu-nos uma reentrada perfeita neste mundo épico, cheio de maravilhas e terrores bastante bem descritos pela sua habitual e rica escrita.

Infelizmente, o ímpeto inicial esbate-se um pouco na necessidade de nos actualizar sobre as vidas dos heróis liderados por Aewyre Thorin passados vinte anos após os eventos de Oblívio.

Não vou esconder que, mesmo compreendendo a necessidade de satisfazer a curiosidade dos leitores, achei esta parte do livro pouco interessante. Tal, aliado às longas descrições de roupas e acessórios modais, não puxou mesmo nada por aquele virar e revirar da página que todos os leitores apreciam.

Adiante, o que menos gostei (mas admito que talvez seja propositado) foi mesmo a falta de proatividade do grupo de “velhos” aventureiros, que durante vinte anos se limita apenas a aguardar no seu palacete até que o Juízo do Flagelo venha bater à porta de modo a chamar todos de volta às aventuras. Acho que poderia ter havido por aqui mais qualquer coisa de interessante no enredo.

Quanto às personagens, o Autor escolheu manter o foco nos nomes já conhecidos, mas eu, e à imagem do que sucedeu com Taislin, preferia uns vinte anos um pouco mais misteriosos (como sucedeu com Luke, Leia e Han de Star Wars em The Force Awakens) para as “velhas personagens” e um enredo um pouco melhor para a prole destes formada por Aethryn, Gifeahn e Kyrina. O novo personagem mais interessante é o pobre do Ŧorđar – que se pronuncia Thóredvár – e tem felizmente o mais atribulado (e por isso melhor) arco das novas personagens.

Claro que há bastantes refregas para nosso deleite (afinal é um livro de Filipe Faria…). Espadas, machadadas e golpes não faltam para os fãs do género (como eu).

Quanto aos problemas familiares, são na maior parte fogachos conscientes que apenas nos prometem vir a incendiar tudo nos próximos volumes com o desenvolvimento dos seus arcos, nomeadamente o de Quenestyl e Slayra.

A propósito destes fogachos também, destaco tanto o arco de Kror como o de Ŧorđar, que não prometem virar um enorme incêndio, mas sim uma verdadeira tempestade de chamas.

Ponto forte desta obra são sem sombra de dúvida os dois últimos e emotivos capítulos (não contando com o epílogo) que se leem sem freios. O caos instala-se! Portas narrativas escancaram-se de forma bastante interessante no que toca aos destinos de Aethryn e Gifeahn. E há o fatídico fim de um personagem que ninguém queria ver partir tão cedo. Esta última morte é inesperada e gera dor, bastante dor! Aliás, gera tanta dor que aposto que vai ser tremendamente difícil substituir. Vale-lhe o fim trágico e glorioso!

Concluindo, e uma vez que esta obra serve mais como uma reentrada ao que aí vem das Crónicas de Allarya do que propriamente como uma obra isolada com um enredo singular, espero que o Autor nos presenteie com um novo livro o mais depressa possível! É sempre maravilhoso passear os olhos e a imaginação por Allarya.


Escravos de Linhas Imaginárias

Não é um homem, não é uma mulher,
É só e tão somente uma pessoa comum,
Que indefinida vida tinha, mas definida
Logo foi por um carimbo azul à chegada;

Definida por um adjectivo e os adjectivos
Diferenciam tal como leis, passaportes,
Funcionários, polícias, juízes e carrascos
Diferenciam pessoas que são só pessoas.

Chamam-lhes estrangeiros: São de fora!
Cumprem tantos deveres, mas e os direitos?
Separam-nos e metem-nos em filas imorais
Antes de repetirem: São ilegais! São ilegais!

E no fim são só pessoas com uma história,
Têm estudos, famílias, aspirações e sonhos,
São pessoas corajosas nascidas noutro lugar,
Não são só escravos de linhas imaginárias.


Ao Fanático…

Fanático, pareces alguém que só copia
Por lerdos, carentes de toda a aptidão;
Estás estagnado numa pobre distopia
Ou segues murcho a meio da multidão?

Sem terapia, mesclas-te na misantropia
Perseguindo tão somente a escravidão
Imposta por quem apenas fotocopia
Credos e leis; mas e a sinuosa solidão?

Vá, pensa nessas vagas de entropia,
Nos vagalhões de fel e nessa lassidão
Sem precedentes; que é essa miopia
Que te enubla a vista de escuridão?

Paul Gagner, "Self Portrait as a Fanatic" – SPRING/BREAK Art Show
by Paul Gagner


A Bola…

Na curva ou no final da rua,
Passávamos nisto o dia:
Bola para cá, bola para lá
Ora um no meio, ora outro.

Era assim que corria o tempo
Nessa altura despreocupada
Onde arrufos antecediam risos
Cada vez mais fortes, hoje laços.

Tantos sonhos enquanto a bola
Rolava até se perder ou estourar,
E tanto em nós mudou desde que
A bola deixou de nos entreter e ligar.

Um parvo passou a usar sapatos,
Outro tonto foi estudar para fora,
O mais engatatão juntou os trapos
E até o mais fininho já é padrinho.

Talvez tudo isto fosse suficiente
Para nos separar da nossa rua,
Mas amiúde lá voltamos à base:
Sempre amigos, trocando a bola.

Deyneka Aleksandr | Street Football | MutualArt
by Aleksandr Deyneka